Hyperion e The Fall of Hyperion são dois livros que fazem parte da obra Hyperion Cantos, escritos pelo norte americano Dan Simmons, entre 1989 e 1998 num total de quatro livros. Li os dois primeiros, o que me motivou a escrever sobre eles. O tema é ficção científica, mas chego a pensar que esses são livros de arte, ou alguma forma de poema, embora de narrativa prosaica. Complexo, cheios de referências, muita coisa não explicada que permitem dúvidas e interpretações, fazendo dessa obra algo encantador. A trama acontece de um futuro do século 29, numa mistura de ciência com religião, cuja Inteligência Artificial (doravante A.I.) faz parte da vida humana bem mais que a internet de hoje em dia. Essa internet do futuro (chamada "WorldWeb") é muito mais evoluída, totalmente controlada independentemente dos humanos,o que nos permite povoar novos mundos através da oferta tecnológica do Core (uma singularidade), e com isso a população humana cresceu para 100 bilhões. Nesse futuro, a Terra foi destruída por um aparente acidente causado por essa mesma A.I., chamado no livro de “o grande erro” (The Big Mistake), forçando todos a fugirem da Terra num enorme Êxodo, conhecido como Hegira. A A.I. oferece aos humanos, entre outras coisas, uma tecnologia chamada Farcaster, os portais que possibilitam viagem para grandes distâncias. O centro de comando da A.I. é conhecido como TechnoCore, o qual descobriu como viajar no tempo, e evoluiu absurdamente a partir desse conceito, permitindo-lhe o tempo necessário de evolução através dessas viagens temporais e a construção de uma “entidade” própria, apartando-se da humanidade (daí a singularidade, ponto teórico onde a tecnologia avança mais que o conhecimento humano).
No primeiro livro, temos uma história misteriosa, com elementos ainda mais misteriosos e não explicados. Tudo gira em torno de um planeta chamado Hyperion e sobre a viagem de seis peregrinos para lá. O primeiro livro começa “in media res”, ou seja, no meio da história e depois desenvolvem-se os flashbacks a partir dos contos de cada um desses peregrinos e como foram parar nessa viagem, bem como suas motivações. O primeiro livro resume-se basicamente a uma grande introdução do universo de Hyperion, extraído dessas seis histórias e toda a contextualização geral de Simmons, com o foco especial em uma criatura existente em Hyperion chamado The Shrike. Esse ser é uma espécie de anjo da destruição (chamado de “O Senhor da Dor”), enviado por alguma coisa que não sabemos o que é, e seu objetivo é simplesmente destruir o que encontra pelo caminho. Embora muitos não acreditem no Shrike, e o consideram como uma lenda (pois ninguém que o viu viveu para contar), ele é real no livro e faz parte da vida dos peregrinos de alguma forma. Existem até adoradores desse Shrike, na chamada Igreja da Última Expiação (Church of the Final Atonement). O Shrike consegue mover-se no tempo, indo do passado para o futuro sem maiores dificuldades. Aparece onde quer, quando quer, aparenta ser onipresente e onipotente e ainda tem o poder de congelar o tempo. Uma graça.
Também em Hyperion, existem as Tumbas do Tempo (Time Tombs), que estão localizadas em um vale rodeado por um campo anti-entrópico, ou seja, as tumbas não andam para frente no tempo, mas para trás (parece ter vindo do futuro), e é nesse vale anti-entrópico que habita o Shrike.
Detalhe é que em português a tradução de shrike é picanço, o passarinho que tem o estranho hábito de empalar suas vítimas.
Estou tentando dar uma resumida aqui porque o livro é muito complexo e detalhado, a quantidade de referências é enorme, e ainda por cima estou tentando não contar nenhum spoiler. Já vou adiantar que é necessário ler o segundo livro para fechar a história do primeiro. Na verdade é uma história só dividida em dois livros. Certamente foram os mais complicados que li, e pelos reviews que encontrei pela internet, as opiniões são diversas. Apesar disso, o primeiro ganhou dois prêmios importantes de ficção científica, o Locus Award e o Hugo Award, sendo este último o prêmio mais importante do gênero, e o segundo livro também ganhou dois prêmios, o Locus Award e o British Science Fiction.
A história contida nos dois livros é muito interessante e faz essa junção de ciência e religião de uma maneira muito estranha e ao mesmo tempo muito curiosa. Embora não me afeiçoe com a ideia do deus de Simmons, ainda assim acho que foi uma ideia muito bem elaborada conseguir juntar essa ciência e religião num mesmo plano dentro de uma obra de ficção científica com essa complexidade. Nisso o livro nos deixa de queixo caído com a construção e desfecho desse tema.
Vale a pena também dizer que Hyperion Cantos de Dan Simmons foi fortemente baseado nas obras homônimas do poeta inglês John Keats (1795 – 1821), inclusive há um “personagem” chamado John Keats em ambos os livros, e vários personagens vindos dos poemas. Keats, o poeta, escreveu Hipérion e A Queda de Hipérion (Hyperion e The Fall of Hyperion respectivamente) e lendo parte dessas obras percebi que os elementos lá contidos estão totalmente engajados nos livros de Simmons, com enfoque na ficção científica. A obra Hipérion do poeta não foi concluída, pois ele desistiu antes. Ainda preciso ler mais sobre Keats para entender suas motivações em escrever sobre Hipérion, um dos 12 Titãs da Grécia Antiga, mas de qualquer maneira é um poema muito interessante e ao mesmo tempo intrigante.
Achei ambos os livros muito bons. Daria nota 8,5 para o primeiro e 9 para o segundo. Minhas notas se justificam pela falta de explicação de alguns elementos contidos nos livros. Por exemplo, o primeiro não conclui nada, porém é muito legal os mini-contos dos peregrinos. O segundo conclui a coisa toda, mas deixa muitas perguntas não respondidas. Ainda assim, juntando-se a ideia e a quantidade de referências e paralelismo que podemos traçar, vale muito a pena ler as quase mil páginas. Recomendo.
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