quinta-feira, 31 de maio de 2012

Nos dias de hoje

A maioria tem a nítida impressão que o mundo caminha para frente. O tempo anda em uma só direção. A velocidade da luz é intransponível. E a modernidade é sempre uma coisa boa. Imaginamos no passado distante que em 2012 teríamos carros voadores. Que teríamos robôs serviçais, que usaríamos roupas inteligentes, viveríamos até os 300 anos e que o petróleo seria coisa do passado. Imaginamos muita coisa que não ocorreu. É inegável que tivemos um avanço tecnológico muito grande nesse último século. O que não imaginamos, ou talvez não fomos tão pessimistas assim, era que para algumas coisas a modernidade chegou de forma errada. Coisas que foram (re)inventadas para suprir necessidades que nunca existiram e os efeitos colateriais de certas invenções, que até o momento não se sabe ainda como resolver alguns desses problemas. Vejamos alguns exemplos:

Embalagens
    Não é possível que todas as embalagens de leite atuais sejam tão complicadas assim. Antigamente era um saquinho, ou uma garrafa com rolha (bem mais antiga), mas hoje a tecnologia mudou isso. Só esqueceram de avisar ao engenheiro que aquilo que ele criou é uma merda. Tem uma embalagem específica que compro que simplesmente não funciona. Todas as 50 vezes que abro, 49 estoura o lacre na minha mão e espirra leite até meus cotovelos. Preciso então pegar uma faca e cavucar o resto do  buraco do leite. Ninguém testou não? Ou melhor, percebi que se o leite está em temperatura ambiente, ele abre bem. Isso significa que ninguém testou APÓS ser resfriado na geladeira! Outras embalagens de leite abrem fácil, mas o leite sai “à galope” como disse um amigo meu, e você toma um banho junto. É melhor abrir seu leite pelado e antes de tomar banho. Outra embalagem que é retardada são os saquinhos de salgadinhos em geral. Sério, aquilo foi sacanagem de estagiário. Não é possível. Ninguém com um cérebro pensaria em desenvolver uma porcaria dessas. NUNCA abre no picote, e ou estoura de uma vez, fazendo a “chuva pública da vergonha”, ou rasga de fora a fora (fora inclusive do picote), salgando seu saco nesse processo. É a mosca do cocô do cavalo do bandido mesmo.

Meios de pagamento 
Antes você entrava num mercadinho, pegava as coisas com os preços etiquetados e pagava no caixa com dinheiro, saia feliz da vida. Hoje é um parto fazer compras. Primeiro porque as coisas não tem preço. Fica a critério da sua surpresa ao passar no caixa. As gôndolas que deveriam marcar quanto custa a mercadoria sempre estão com a etiqueta desaparecida (coincidentemente), e nem adianta tentar passar o código de barras naquele maldito aparelho que NUNCA funciona. O cara que criou aquele aparelho deve ser o mesmo que criou as embalagens de leite (e o sistema de catracas). Aí você chega no caixa para pagar, e a bobina acaba. A caixa pede pra outra pessoa pegar uma bobina no estoque. Depois de trocada, pergunta seu CPF para verificar se você é cliente. Ou não entende seu CPF ou erra umas oito vezes. E chega a vez do pagamento com cartão, que invariavelmente demora para autenticar sua compra, quando autentica de primeira. E você ali, com cara de pastel, questionando a modernidade.

Catraca
Antigamente as catracas eram mecânicas, e marcavam quantas pessoas entravam ou saíam de um determinado local. Aí teve um gênio que resolveu colocar um “sistema” pra controlar “melhor”. Só que ele não pensou em um pequeno detalhe: Fazer um sistema rápido e que funcione. Aí você passa na catraca e ela resolve travar alguns centímetros depois que seu cérebro pensou que ela iria funcionar. É um arreio no meio dos países baixos que me dá vontade de voltar e pular com os dois pés na maldita cadela. Tudo porque o sistema é uma porcaria, feito por amadores, e não autenticou sua passagem. Qual catraca que você conhece que funciona? Até hoje não conheço nenhuma, e a cada dia só pioram.

Senhas
Essa pra mim é o pior efeito colateral da modernidade. É um absurdo a quantidade de senhas que temos que decorar, ou anotar num papel, o que faz menos sentido ainda ter senha. Senha só serve para atrapalhar, e como o reconhecimento biométrico ainda é ficção científica, pois na prática não funciona, ainda temos que depender de decorar senhas. E a cada dia fica mais difícil. Agora o mínimo aceitável são oito dígitos, com símbolos e maiúsculas com minúsculas, não pode ser isso ou aquilo, não pode conter determinada sequência, etc. Tudo isso por causa de uma minoria que ou é mal intencionado em burlar a segurança ou é burro de colocar senhas ridículas. Mais ridículo é clicar em um e-mail de banco pedindo para digitar sua senha. E olha que teve gente da minha área de informática que caiu nessa. 
O banco em que tenho conta pede 3 senhas para acesso pela internet, e ainda instala um programa no seu computador. A cada dia ele inventa mais um treco para complicar o acesso. Não seria mais interessante, mais barato e mais eficiente a humanidade investir em leitura da íris, ou impressão digital eficiente, em vez de rebolar para criar uma miríade de maneiras de colocar senhas nas coisas? Eu duvido que o que se paga com fraudes é menor que desenvolver um dispositivo de leitura da impressão digital. Duvido.

Médico
Graças ao avanço da medicina foi possível desvendar todos os problemas do corpo e mente em apenas dois únicos problemas: Ou é stress ou é virose. É o bóson de Higgs da medicina. O Santo Graal médico. No mundo moderno, quando precisamos fazer alguma consulta (e quando conseguimos atendimento) já podemos fazer nossas apostas sobre o diagnóstico. Temos 50% de chances de acerto, já que estamos sempre um dos dois casos acima (vale até tirar a sorte na moeda). E além disso, antes mesmo de você sentar na cadeira do consultório o médico já te receitou algum remédio (medium), o qual você toma só por tomar, já que nem stress nem virose são curados com drogas. E mais: O atendimento dura no máximo 8 segundos! Isso sim é que é modernidade!

Por essas e outras fico imaginando o mundo em 2112. Se o calendário maia permitir, provavelmente estaremos com algumas modernidades realmente ridículas, e com saudades de quando a vida era um pouco mais fácil de se viver.

sábado, 5 de maio de 2012

Hyperion Cantos

Hyperion e The Fall of Hyperion são dois livros que fazem parte da obra Hyperion Cantos, escritos pelo norte americano Dan Simmons, entre 1989 e 1998 num total de quatro livros. Li os dois primeiros, o que me motivou a escrever sobre eles. O tema é ficção científica, mas chego a pensar que esses são livros de arte, ou alguma forma de poema, embora de narrativa prosaica. Complexo, cheios de referências, muita coisa não explicada que permitem dúvidas e interpretações, fazendo dessa obra algo encantador. A trama acontece de um futuro do século 29, numa mistura de ciência com religião, cuja Inteligência Artificial (doravante A.I.) faz parte da vida humana bem mais que a internet de hoje em dia. Essa internet do futuro (chamada "WorldWeb") é muito mais evoluída, totalmente controlada independentemente dos humanos,o que nos permite povoar novos mundos através da oferta tecnológica do Core (uma singularidade), e com isso a população humana cresceu para 100 bilhões. Nesse futuro, a Terra foi destruída por um aparente acidente causado por essa mesma A.I., chamado no livro de “o grande erro” (The Big Mistake), forçando todos a fugirem da Terra num enorme Êxodo, conhecido como Hegira. A A.I. oferece aos humanos, entre outras coisas, uma tecnologia chamada Farcaster, os  portais que possibilitam viagem para grandes distâncias. O centro de comando da A.I. é conhecido como TechnoCore, o qual descobriu como viajar no tempo, e evoluiu absurdamente a partir desse conceito, permitindo-lhe o tempo necessário de evolução através dessas viagens temporais e a construção de uma “entidade” própria, apartando-se da humanidade (daí a singularidade, ponto teórico onde a tecnologia avança mais que o conhecimento humano).

No primeiro livro, temos uma história misteriosa, com elementos ainda mais misteriosos e não explicados. Tudo gira em torno de um planeta chamado Hyperion e sobre a viagem de seis peregrinos para lá. O primeiro livro começa “in media res”, ou seja, no meio da história e depois desenvolvem-se os flashbacks a partir dos contos de cada um desses peregrinos e como foram parar nessa viagem, bem como suas motivações. O primeiro livro resume-se basicamente a uma grande introdução do universo de Hyperion, extraído dessas seis histórias e toda a contextualização geral de Simmons, com o foco especial em uma criatura existente em Hyperion chamado The Shrike. Esse ser é uma espécie de anjo da destruição (chamado de “O Senhor da Dor”), enviado por alguma coisa que não sabemos o que é, e seu objetivo é simplesmente destruir o que encontra pelo caminho. Embora muitos não acreditem no Shrike, e o consideram como uma lenda (pois ninguém que o viu viveu para contar), ele é real no livro e faz parte da vida dos peregrinos de alguma forma. Existem até adoradores desse Shrike, na chamada Igreja da Última Expiação (Church of the Final Atonement). O Shrike consegue mover-se no tempo, indo do passado para o futuro sem maiores dificuldades. Aparece onde quer, quando quer, aparenta ser onipresente e onipotente e ainda tem o poder de congelar o tempo. Uma graça.



Também em Hyperion, existem as Tumbas do Tempo (Time Tombs), que estão localizadas em um vale rodeado por um campo anti-entrópico, ou seja, as tumbas não andam para frente no tempo, mas para trás (parece ter vindo do futuro), e é nesse vale anti-entrópico que habita o Shrike.
Detalhe é que em português a tradução de shrike é picanço, o passarinho que tem o estranho hábito de empalar suas vítimas.



Estou tentando dar uma resumida aqui porque o livro é muito complexo e detalhado, a quantidade de referências é enorme, e ainda por cima estou tentando não contar nenhum spoiler. Já vou adiantar que é necessário ler o segundo livro para fechar a história do primeiro. Na verdade é uma história só dividida em dois livros. Certamente foram os mais complicados que li, e pelos reviews que encontrei pela internet, as opiniões são diversas. Apesar disso, o primeiro ganhou dois prêmios importantes de ficção científica, o Locus Award e o Hugo Award, sendo este último o prêmio mais importante do gênero, e o segundo livro também ganhou dois prêmios, o Locus Award e o British Science Fiction.

A história contida nos dois livros é muito interessante e faz essa junção de ciência e religião de uma maneira muito estranha e ao mesmo tempo muito curiosa. Embora não me afeiçoe com a ideia do deus de Simmons, ainda assim acho que foi uma ideia muito bem elaborada conseguir juntar essa ciência e religião num mesmo plano dentro de uma obra de ficção científica com essa complexidade. Nisso o livro nos deixa de queixo caído com a construção e desfecho desse tema.

Vale a pena também dizer que Hyperion Cantos de Dan Simmons foi fortemente baseado nas obras homônimas do poeta inglês John Keats (1795 – 1821), inclusive há um “personagem” chamado John Keats em ambos os livros, e vários personagens vindos dos poemas. Keats, o poeta, escreveu Hipérion e A Queda de Hipérion (Hyperion e The Fall of Hyperion respectivamente) e lendo parte dessas obras percebi que os elementos lá contidos estão totalmente engajados nos livros de Simmons, com enfoque na ficção científica. A obra Hipérion do poeta não foi concluída, pois ele desistiu antes. Ainda preciso ler mais sobre Keats para entender suas motivações em escrever sobre Hipérion, um dos 12 Titãs da Grécia Antiga, mas de qualquer maneira é um poema muito interessante e ao mesmo tempo intrigante.

Achei ambos os livros muito bons. Daria nota 8,5 para o primeiro e 9 para o segundo. Minhas notas se justificam pela falta de explicação de alguns elementos contidos nos livros. Por exemplo, o primeiro não conclui nada, porém é muito legal os mini-contos dos peregrinos. O segundo conclui a coisa toda, mas deixa muitas perguntas não respondidas. Ainda assim, juntando-se a ideia e a quantidade de referências e paralelismo que podemos traçar, vale muito a pena ler as quase mil páginas. Recomendo.