Um colega me pediu explicações sobre alguns textos que leu em um fórum na internet. Esse tal fórum tinha como título "Verdadeiros absurdos da Bíblia". Basicamente o texto fala sobre a escravidão sendo permitida por Deus e a submissão da mulher perante o homem. Todo o texto e os comentários do site tem tom irônico, e a procedência das pesquisas é duvidosa, mas deixando isso de lado, vou me atentar apenas aos textos bíblicos colocados lá, analisando o seu contexto, como forma de resposta a meu colega.
Para construir esse texto pedi ajuda a um grande amigo, que me auxiliou na coerência e nas correções de minhas informações, além de apontar outros exemplos, como nos pontos de um a quatro abaixo. Fica aqui meu muito obrigado.
A democracia aparece primeiro na Grécia antiga, nos pensamentos filosóficos e políticos em 500 A.C., na cidade de Atenas. Platão escreveu sobre a democracia como sendo um sistema “governado pelo governo”, sendo alternativa para a monarquia (governado por um), oligarquia (governado pela riqueza) e timocracia (governado por uma elite que valoriza a honra em detrimento à riqueza). Embora o Império Romano tenha contribuido significantemente para certos aspectos da democracia moderna, apenas uma minoria de romanos eram de fato cidadã, com direito ao voto.
Mas e a Bíblia? Qual a posição de Deus em relação à forma de “governo” do povo? Parece que em Levítico existe se não um apoio, mas também uma conformidade em relação à escravidão, e vemos muitos fóruns na internet que costumam colocar um versículo ou outro como “absurdos”, “atrocidades”, e outros adjetivos que questionam Deus como sendo amor, bom, ou justo.
De acordo com John Murray [1], a escravidão seria “a propriedade do homem sobre o trabalho de outro”. Algumas propriedades são legítimas, como por exemplo um devedor trabalhar para pagar seu credor, ou o empregador, que tem a propriedade do trabalho de seus funcionários. Se outro tem propriedade sobre nosso trabalho, somos de certa forma escravos, pois não podemos abortar o trabalho a nosso bel-prazer após firmado um contrato de trabalho (ou sofreremos consequências disto). Pois bem, a forma colocada na Bíblia como atrocidades, talvez vista na época, não era tão diferente do que passamos hoje em dia, e também temos que nos lembrar que Levítico 25:39 nos diz que o “escravo” tinha que ser tratado com respeito e cuidado. Um hebreu se tornava escravo se vendesse seu trabalho a outro (Lv. 25:39), e poderia se tornar escravo se roubasse (Ex. 22:3). Esse hebreu então era vendido como servo, até que a restituição resignada pela lei fosse cumprida, e passava para seus filhos caso morresse antes. Esses escravos eram libertados a cada sete anos (ano sabático) (Ex. 21:2, Dt. 15:12) se assim desejassem (pois tinham muitos que não desejavam ser libertos, e furavam a orelha para demonstrar isso), e no ano do Jubileu (a cada 50 anos) todos os escravos, hebreus ou não, eram libertos, tendo pago ou não sua dívida. Um estudo mais elaborado que esse pode ser encontrado no texto de Rousas John Rushdoony entitulado “O Retorno à Escravidão”, nesse link.
Nesse texto supra citado de Rushdoony, vemos que a escravidão na forma bíblica era um serviço obrigatório, não muito diferente do que vemos hoje em dia com nosso trabalho, em que temos direitos e deveres, assim como antigamente, nas leis do pentateuco. A confusão que se faz com a escravidão que houve no Brasil e em outros locais do mundo com os negros sendo moeda de pagamento de suas tribos na África passa longe do modelo de “escravidão” bíblica, motivo esse de grandes confusões e possíveis “atrocidades” mentais, como esses mais carentes de conhecimento a chamam, pegando-se versículos soltos aqui e acolá sem um estudo ou um contexto adequado, tentando-se colocar uma pseudo-opinião desqualificadora do texto sagrado apenas "porque sim".
Um outro ponto que é motivo de alarde de causadores de confusão é a submissão das mulheres aos seus maridos. Algo que deve-se entender de antemão é que a mulher não é inferior ao homem segundo os princípios bíblicos, como muitos tentam afirmar sem saber. O que se defende nas escrituras é a submissão, e não à escravidão, ou inferioridade. Jesus foi submisso a Deus quando morreu na cruz, e nem por isso deixou de ser Deus, ou ter menor importância na Trindade. O trabalhador deve ser submisso à seu patrão, obedecendo o que esse lhe obriga quanto ao trabalho a ser desempenhado, como ao Senhor (Rm. 13:5), e não é menor pessoa quanto a seu chefe; aliás, a cosmovisão protestante/reformada tem muito a dizer sobre “vocação”. Submissão não é sinônimo de escravidão, nem é sinônimo de maus tratos, como prega-se por aí àqueles que insistem que a Bíblia é um livro de, novamente, “atrocidades” ou “absurdos”.
A Bíblia mostra alguns pontos importantes:
1. Deus criou para o homem uma companheira idônea (Gn. 2:18-24), e não uma escrava. Infelizmente, o pecado indiscutivelmente corrompe todas as relações humanas, incluindo esta, mas o cristão redimido olha sempre para as Escrituras à fim de ver o sentido de Deus para todas as coisas, novamente, incluindo esta.
2. A Bíblia afirma a mulher não tem controle sobre o seu próprio corpo em relação ao homem da mesma forma que o homem não tem controle sobre o seu próprio corpo em relação à mulher, ou seja, um é do outro, dentro do casamento (1 Co. 7:4-5);
3. Ao longo do século 20, palavras como “hierarquia” assimilaram uma conotação negativa, mas a Bíblia apresenta sim definições de papel, ou mesmo hierarquia. Em termos de “papéis”, Deus Único se manifesta Trinitariamente, em 3 Pessoas distintas com papéis diferentes (foi o Filho quem Se encarnou e morreu na Cruz, e não o Pai ou o Espiríto Santo). De forma semelhante, havia uma espécie de hierarquia na Igreja Primitiva. Assim sendo, a Bíblia apresenta o homem como cabeça da mulher assim como Cristo é o Cabeça, da Igreja e da Família, representada pelo seu “chefe”, o homem (1 Co. 11:3).
4. A Bíblia afirma que a mulher deve ser submissa ao homem, e apesar de não falar que o homem deva ser submisso à mulher, a Palavra fala algo muito mais sério e profundo: o homem deve amar a sua mulher como Cristo amou a sua Igreja (Ef. 5:25). E como Cristo amou a sua Igreja? Dando a vida por ela. Note bem que as Escrituras não “exigem” isso da mulher, mas do homem.
A Bíblia é um livro conciso, justo, com uma única história: Anunciar a Salvação e Redenção em Cristo Jesus. A Bíblia mostra a realidade da aproximação de Deus com seu povo, e também mostra as inúmeras besteiras que esse povo fez durantes as alianças. A vinda de Cristo como forma de revelação acaba com rituais cerimonias que apontavam para Ele mesmo, e mantém a moral pois, obviamente, “não roubarás” vale tanto para o antigo testamento quanto para o novo testamento. Os mandamentos morais continuam valendo, e a forma de governo é alterada conforme o tempo passa, com coisas “absurdas” hoje que talvez não fossem tão absurdas antes. E o Cristianismo não é uma forma de governo, à propósito, como o Islamismo, pois Jesus afirmou em João 18:36 que seu reino não era desse mundo.
Os rituais cerimonias são cumpridos em Jesus, e sua palavra reforça mais ainda as leis de Deus. Se somos salvos devemos à nossa fé (sem provas) que Jesus veio por nós. Mas isso hoje em dia é absurdo. Foi também absurdo na época de Jesus, por isso penduraram-o num madeiro até a morte. Assim como que, ao proclamarmos hoje a mensagem do Evangelho, também estamos sujeitos à perseguições e represálias, mesmo que de outras formas diferentes quanto na época de Sua vinda.
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[1] De acordo com o site Monergismo, " O Professor John Murray nasceu na Escócia, em 1898, e era, no tempo desta escrita, um cidadão Inglês. Ele se graduou na Universidade de Glasgow (1923) e no Seminário Teológico de Princeton (1927), e estudou na Universidade de Edimburgo durante 1928 e 1929.
Em 1929-1930 ele serviu como professor no Seminário Teológico de Princeton. Posteriormente ele ensinou no Seminário Teológico de Westminster, na Filadélfia, onde ele serviu como Professor de Teologia Sistemática, de 1930-1966.
Ele foi um freqüente contribuidor de jornais teológicos e é o autor de: O Batismo Cristão (1952), Divórcio (1953), Redenção Consumada e Aplicada (1955), Princípios de Conduta (1957), A Imputação do Pecado de Adão (1960), Calvino sobre as Escrituras e a Soberania Divina (1960), A Epístola aos Romanos , Vol I, Capítulos I-VIII (1960) e A Expiação (1976 - publicado após a sua morte).
Em 8 de Março de 1975, o Professor John Murray entrou no descanso do seu Senhor. "
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