terça-feira, 29 de novembro de 2011

Absurdos da Bíblia

Um colega me pediu explicações sobre alguns textos que leu em um fórum na internet. Esse tal fórum tinha como título "Verdadeiros absurdos da Bíblia". Basicamente o texto fala sobre a escravidão sendo permitida por Deus e a submissão da mulher perante o homem. Todo o texto e os comentários do site tem tom irônico, e a procedência das pesquisas é duvidosa, mas deixando isso de lado, vou me atentar apenas aos textos bíblicos colocados lá, analisando o seu contexto, como forma de resposta a meu colega. 

Para construir esse texto pedi ajuda a um grande amigo, que me auxiliou na coerência e nas correções de minhas informações, além de apontar outros exemplos, como nos pontos de um a quatro abaixo. Fica aqui meu muito obrigado. 

A democracia aparece primeiro na Grécia antiga, nos pensamentos filosóficos e políticos em 500 A.C., na cidade de Atenas. Platão escreveu sobre a democracia como sendo um sistema “governado pelo governo”, sendo alternativa para a monarquia (governado por um), oligarquia (governado pela riqueza) e timocracia (governado por uma elite que valoriza a honra em detrimento à riqueza). Embora o Império Romano tenha contribuido significantemente para certos aspectos da democracia moderna, apenas uma minoria de romanos eram de fato cidadã, com direito ao voto. Mas e a Bíblia? Qual a posição de Deus em relação à forma de “governo” do povo? Parece que em Levítico existe se não um apoio, mas também uma conformidade em relação à escravidão, e vemos muitos fóruns na internet que costumam colocar um versículo ou outro como “absurdos”, “atrocidades”, e outros adjetivos que questionam Deus como sendo amor, bom, ou justo. 

De acordo com John Murray [1], a escravidão seria “a propriedade do homem sobre o trabalho de outro”. Algumas propriedades são legítimas, como por exemplo um devedor trabalhar para pagar seu credor, ou o empregador, que tem a propriedade do trabalho de seus funcionários. Se outro tem propriedade sobre nosso trabalho, somos de certa forma escravos, pois não podemos abortar o trabalho a nosso bel-prazer após firmado um contrato de trabalho (ou sofreremos consequências disto). Pois bem, a forma colocada na Bíblia como atrocidades, talvez vista na época, não era tão diferente do que passamos hoje em dia, e também temos que nos lembrar que Levítico 25:39 nos diz que o “escravo” tinha que ser tratado com respeito e cuidado. Um hebreu se tornava escravo se vendesse seu trabalho a outro (Lv. 25:39), e poderia se tornar escravo se roubasse (Ex. 22:3). Esse hebreu então era vendido como servo, até que a restituição resignada pela lei fosse cumprida, e passava para seus filhos caso morresse antes. Esses escravos eram libertados a cada sete anos (ano sabático) (Ex. 21:2, Dt. 15:12) se assim desejassem (pois tinham muitos que não desejavam ser libertos, e furavam a orelha para demonstrar isso), e no ano do Jubileu (a cada 50 anos) todos os escravos, hebreus ou não, eram libertos, tendo pago ou não sua dívida. Um estudo mais elaborado que esse pode ser encontrado no texto de Rousas John Rushdoony entitulado “O Retorno à Escravidão”, nesse link.  

Nesse texto supra citado de Rushdoony, vemos que a escravidão na forma bíblica era um serviço obrigatório, não muito diferente do que vemos hoje em dia com nosso trabalho, em que temos direitos e deveres, assim como antigamente, nas leis do pentateuco. A confusão que se faz com a escravidão que houve no Brasil e em outros locais do mundo com os negros sendo moeda de pagamento de suas tribos na África passa longe do modelo de “escravidão” bíblica, motivo esse de grandes confusões e possíveis “atrocidades” mentais, como esses mais carentes de conhecimento a chamam, pegando-se versículos soltos aqui e acolá sem um estudo ou um contexto adequado, tentando-se colocar uma pseudo-opinião desqualificadora do texto sagrado apenas "porque sim". 

Um outro ponto que é motivo de alarde de causadores de confusão é a submissão das mulheres aos seus maridos. Algo que deve-se entender de antemão é que a mulher não é inferior ao homem segundo os princípios bíblicos, como muitos tentam afirmar sem saber. O que se defende nas escrituras é a submissão, e não à escravidão, ou inferioridade. Jesus foi submisso a Deus quando morreu na cruz, e nem por isso deixou de ser Deus, ou ter menor importância na Trindade. O trabalhador deve ser submisso à seu patrão, obedecendo o que esse lhe obriga quanto ao trabalho a ser desempenhado, como ao Senhor (Rm. 13:5), e não é menor pessoa quanto a seu chefe; aliás, a cosmovisão protestante/reformada tem muito a dizer sobre “vocação”. Submissão não é sinônimo de escravidão, nem é sinônimo de maus tratos, como prega-se por aí àqueles que insistem que a Bíblia é um livro de, novamente, “atrocidades” ou “absurdos”. 

A Bíblia mostra alguns pontos importantes: 

1. Deus criou para o homem uma companheira idônea (Gn. 2:18-24), e não uma escrava. Infelizmente, o pecado indiscutivelmente corrompe todas as relações humanas, incluindo esta, mas o cristão redimido olha sempre para as Escrituras à fim de ver o sentido de Deus para todas as coisas, novamente, incluindo esta. 

2. A Bíblia afirma a mulher não tem controle sobre o seu próprio corpo em relação ao homem da mesma forma que o homem não tem controle sobre o seu próprio corpo em relação à mulher, ou seja, um é do outro, dentro do casamento (1 Co. 7:4-5); 

3. Ao longo do século 20, palavras como “hierarquia” assimilaram uma conotação negativa, mas a Bíblia apresenta sim definições de papel, ou mesmo hierarquia. Em termos de “papéis”, Deus Único se manifesta Trinitariamente, em 3 Pessoas distintas com papéis diferentes (foi o Filho quem Se encarnou e morreu na Cruz, e não o Pai ou o Espiríto Santo). De forma semelhante, havia uma espécie de hierarquia na Igreja Primitiva. Assim sendo, a Bíblia apresenta o homem como cabeça da mulher assim como Cristo é o Cabeça, da Igreja e da Família, representada pelo seu “chefe”, o homem (1 Co. 11:3). 

4. A Bíblia afirma que a mulher deve ser submissa ao homem, e apesar de não falar que o homem deva ser submisso à mulher, a Palavra fala algo muito mais sério e profundo: o homem deve amar a sua mulher como Cristo amou a sua Igreja (Ef. 5:25). E como Cristo amou a sua Igreja? Dando a vida por ela. Note bem que as Escrituras não “exigem” isso da mulher, mas do homem. 

A Bíblia é um livro conciso, justo, com uma única história: Anunciar a Salvação e Redenção em Cristo Jesus. A Bíblia mostra a realidade da aproximação de Deus com seu povo, e também mostra as inúmeras besteiras que esse povo fez durantes as alianças. A vinda de Cristo como forma de revelação acaba com rituais cerimonias que apontavam para Ele mesmo, e mantém a moral pois, obviamente, “não roubarás” vale tanto para o antigo testamento quanto para o novo testamento. Os mandamentos morais continuam valendo, e a forma de governo é alterada conforme o tempo passa, com coisas “absurdas” hoje que talvez não fossem tão absurdas antes. E o Cristianismo não é uma forma de governo, à propósito, como o Islamismo, pois Jesus afirmou em João 18:36 que seu reino não era desse mundo. 

Os rituais cerimonias são cumpridos em Jesus, e sua palavra reforça mais ainda as leis de Deus. Se somos salvos devemos à nossa fé (sem provas) que Jesus veio por nós. Mas isso hoje em dia é absurdo. Foi também absurdo na época de Jesus, por isso penduraram-o num madeiro até a morte. Assim como que, ao proclamarmos hoje a mensagem do Evangelho, também estamos sujeitos à perseguições e represálias, mesmo que de outras formas diferentes quanto na época de Sua vinda. 

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[1] De acordo com o site Monergismo, " O Professor John Murray nasceu na Escócia, em 1898, e era, no tempo desta escrita, um cidadão Inglês. Ele se graduou na Universidade de Glasgow (1923) e no Seminário Teológico de Princeton (1927), e estudou na Universidade de Edimburgo durante 1928 e 1929. Em 1929-1930 ele serviu como professor no Seminário Teológico de Princeton. Posteriormente ele ensinou no Seminário Teológico de Westminster, na Filadélfia, onde ele serviu como Professor de Teologia Sistemática, de 1930-1966. Ele foi um freqüente contribuidor de jornais teológicos e é o autor de: O Batismo Cristão (1952), Divórcio (1953), Redenção Consumada e Aplicada (1955), Princípios de Conduta (1957), A Imputação do Pecado de Adão (1960), Calvino sobre as Escrituras e a Soberania Divina (1960), A Epístola aos Romanos , Vol I, Capítulos I-VIII (1960) e A Expiação (1976 - publicado após a sua morte). Em 8 de Março de 1975, o Professor John Murray entrou no descanso do seu Senhor. "

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

O Símbolo Cristão

Já soube de pessoas que foram para o Chile e depois que chegaram aqui colaram no carro um adesivo em forma de elipse com as letras CH. O problema é que CH não é Chile, mas Suíça, pois vem de Confœderatio Helvetica, o nome da Suíça. Inclusive a fonte Helvetica do seu computador vem desse país, desenvolvida em 1957 pelo suíço Max Miedinger.

Um outro símbolo que vejo que muita gente tem em seus carros é um com a interseção de dois arcos de maneira a formar um peixe. Pouca gente sabe o que significa (de fato). Esse símbolo vem das perseguições cristãs pelos Romanos, no primeiro século, em que os cristãos para se identificarem como tal criaram um código secreto. Quando um cristão se deparava com um estranho na estrada, o crente algumas vezes desenhava um arco na terra. Se o estranho completasse o segundo arco de maneira a formar o símbolo do peixe, era sabido que estavam em boa companhia e podiam confiar um no outro (Fonte:Christianity Today, Elesha Coffman, "Ask the Editors").

Esse peixe veio da palavra grega ichthys, que significa “peixes” e é um acrônimo para “Iēsous Christos, Theou Yios, Sōtēr”, ou seja, Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador. Outro símbolo usado pelos primeiros cristãos foi um círculo dividido em oito pedaços, como uma pizza, que seriam as letras acima Iota, Chi, Theta, Ypsilon e Sigma da palavra ichthys (ΙΧΘΥΣ) sobrepostas, significando o mesmo que você acabou de ler.


É sabido que os símbolos são usados para identificarem uma ideia, seja a própria letra que combinada com outras forma uma palavra, ou um símbolo que expressa uma ideia mais ampla, como os ideogramas japoneses, ou nesse caso, o peixe. A ideia aqui é representar a cristandade, os que creem no salvador único, mas parece que hoje em dia perdeu-se muito o entendimento que Cristo representa, e num mundo politicamente correto aceita-se tudo, menos o cristianismo. O fundamento do cristianismo é Cristo. Cristo é o único caminho possível para quem acredita no cristianismo, sobre salvação, vida eterna, vida pós morte, encontro com Deus, etc. Não há outro caminho, nem outra maneira. Não há obras que justifique, nem santo que dê jeito, nem macumba, nem simpatia, muito menos pedras mágicas, runas, energia, pensamento positivo, segredo, virgem, trabalhos, guias, estátuas, patuás, semente, planta, ou qualquer outro símbolo.

O cristianismo nos dias atuais foi distorcido para acomodar um pensamento, como já disse, politicamente correto, e bem cômodo, sem desagradar ninguém. Porém, ser cristão não é fácil. Ser cristão não te dá bens materiais. Nem cura câncer. Nem nenhuma promessa que não a salvação de sua alma quando você for dessa para uma melhor (embora possam ocorrer milagres, possam ocorrer curas, e te dar dinheiro, etc, mas não significa que necessariamente vai ocorrer). Entretanto, Jesus disse em Mateus 6:33 “Busquem, pois, em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas lhes serão acrescentadas”. Essas coisas que Jesus menciona são as coisas mundanas, como o que vestir, o que comer, o que beber, etc. Se você busca o Reino de Deus e o que isso significa, o resto é resto, e nada mais importa tanto assim, nem mesmo o futuro.

Enquanto isso no Facebook, um monte de gente colocando frases sem saber o que estão dizendo. Que Deus vai ter dar isso, vai te curar daquilo, vai te arrumar aquele outro, venha agora e consiga seu emprego, etc. Isso não é cristianismo, é macumba. É outra religião que crê em outras coisas que não a Bíblia Sagrada, e o símbolo do peixe não faz o menor sentido nisso. Deus não te deve nada. Por isso, ficar sem comer carne em promessa não significa nada. Aliás, promessa não significa nada, pois Jesus é a própria promessa cumprida. Obras não significam nada. A única coisa que significa algo (para o cristão) é isso: Crer que Jesus, o Cristo, que veio à Terra encarnado, que Ele é Deus, Único, Suficiente, parte da Santa Trindade (Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito-Santo), para que fosse o (único e suficiente) caminho de salvação (ou seja, você não se salva sozinho), e que ressussitou em corpo, voltando para os céus ao lado de Deus-Pai, deixando para a gente o Seu Espírito-Santo e a promessa de salvação para todo aquele que Nele crer. Esse pensamento é sim suficiente para te garantir a vida eterna. Nada mais. Porém, existe aí uma ressalva, e talvez motivo de tantas confusões.

Após crer em Jesus, você é modificado como pessoa. Seus pontos de vista mudam. Seus valores mudam. Consequentemente sua vida muda. Coisas que você fazia, não vai querer fazer mais (embora você vai continuar fazendo, sem dúvida nenhuma) e coisas que não fazia, ou fingia que não era contigo, vão te incomodar, a tal ponto que você vai fazer, ou sentir um desejo enorme de fazer. Sua vida será plena com Cristo, porém não vai ser mole. A boa notícia é que basta crer para ir pro Céu. A má é que sua consciência vai te dar algumas ordens, e isso envolverá ações, muitas delas contra sua vontade. E já explicando a Santa-Trindade, de como três podem ser um, gostei do exemplo de um escritor/pastor chamado Benny Hinn, dizendo que a Trindade pode ser explicada fazendo uma alusão simplista com o sol: O sol é único, mas possui calor e luz. O sol seria Deus, a sua luz Jesus e seu calor o Espírito-Santo.

Como disse, respeito todos que acreditam em coisas diferentes, ou não acreditam em nada de sobrenatural, porém se você se diz cristão e crê em mais alguma outra coisa além de Cristo, talvez você esteja queimando vela com santo ruim.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Quem é Knewton?

“O acervo de livros disponíveis em acervos de bibliotecas e pontos de leitura municipais por habitante com 15 anos ou mais vem diminuindo desde 2006 ”. Essa notícia veio do site Nossa São Paulo, uma espécie de comunidade paulistana sem fins lucrativos, indicando que da média de 2 livros por habitante recomendado pela Unesco, São Paulo possui apenas 0,22 livros disponíveis por habitante na maioria dos 96 distritos analisados. Já não é novidade que os brasileiros não leem como deveriam, mas acredito que essa tendência de baixo índice de leitura de livros não seja exclusiva nossa. Com a vinda da internet e a grande disponibilidade de notícias, ler um livro do começo ao fim vem sendo cada vez mais difícil. Como citei em posts anteriores, o livro The Shallows: What the Internet Is Doing to Our Brains, de Nicholas Carr, propõe que o uso da Internet desvincula o cérebro da atenção necessária para se ler um livro, ou fazer alguma atividade que requer atenção exclusiva e dedicada. Nosso cérebro já foi adequado para um mundo dinâmico, onde as informações chegam e vão rapidamente. Se é bom ou ruim, só o tempo dirá, mas não temos mais a capacidade de atenção de antigamente. Porém, assim como o mundo se moderniza, os livros também se modernizam. O livro digital é uma forma de disponibilidade maior de acervo literário, e também se a internet ajuda a nos tornarmos estúpidos, também oferece conteúdo educativo de qualidade, como a KhanAcademy, o Google Art, a Enciclopédia Britânica, e mais recentemente o Knewton . Esse último me chamou a atenção e é o motivo desse post. 

O Knewton é um projeto que combina textos, multimídia e conteúdo personalizado em prol da boa educação do aluno, tornando o hábito de aprender uma atividade divertida. A grande vantagem do Knewton e de sua plataforma de aprendizado adaptativo é a capacidade de iteratividade. Através de exercícios e questionários o programa “aprende” os pontos fortes e pontos fracos de cada estudante, ajustando o material de aprendizado em tempo real. Em vez de oferecer um conteúdo igual a todos, a tecnologia do Knewton molda o material a fim de que cada estudante receba uma educação personalizada que atenda a necessidade individual de cada um. Imagine o seguinte: Após analisar os pontos fortes e fracos de um estudante em particular, o programa determina se vai apresentar o próximo conceito em forma de texto, vídeo, exercícios interativos ou vídeo game! Ele pode apresentar um resumo da matéria ou uma explicação mais detalhada, de acordo com o interesse do aluno. O programa ainda pode sugerir parceiros de estudo em classes que possuem estilos de estudo semelhantes. Algumas universidades americanas já estão usando o programa, como a Universidade Penn State, a Universidade do Arizona, a Mount St. Mary, Universidade de Nevada e a Universidade de Washington. Existe um vídeo em inglês que dá uma noção de como é aprender com o Knewton, no meio dessa página, de onde tirei o material desse post, e explica como o programa ajuda no desenvolvimento do aprendizado, inclusive fazendo com que os pais participem mais de perto na educação de seus filhos (e até pelo smart phone). Esse tipo de educação me lembra vagamente a proposta de Jean Jacques Rousseau, filósofo francês que discorreu sobre uma educação conhecida hoje como “consequencia natural”, cuja criança poderia ter um tutor que lhe ensinasse por meio de experiências as consequencias de seus atos. O Knewton pode ser esse tutor, que escolhe o que deve ser mostrado ou não à criança, de acordo com sua aptidão e interesse. 

Enfim, achei a ideia fantástica e espero que o aporte de 33 milhões de dólares que o programa recebeu recentemente faça com que a ideia de uma educação personalizada seja solidificada como uma boa maneira de ensino.