Eu juro que tentei, mas não consegui escrever um post decente sobre o Bóson de Higgs, já aviso. O assunto é tão complicado que o texto ficaria interminável se fosse explicar com detalhes reais. Não existe uma analogia visual que satisfaça a complexidade da mecânica quântica, e mesmo porque a base é toda matemática e, portanto, abstrata. Só queria reportar que dia 13 de Dezembro de 2011 o CERN (Organização Européia para Pesquisas Nucleares) anunciou “sugestões tentadoras” para a existência do Bóson de Higgs, um grande avanço para a física.
Após escrever o texto, feliz da vida, pedi ajuda a um amigo para que colocasse seus comentários e correções. As correções foram tantas que não conseguiria preservar quase nada do original. Justamente porque, além de algumas correções, as analogias não demonstram a realidade do que acontece no mundo subatômico. As leis de lá não são as mesmas leis daqui, e não é nada fácil ou simples tentar simplificar. De teimoso, dando uma de Brian Greene (o marketeiro físico), vou tentar escrever algo que minha imaginação doida entende por Bóson de Higgs, e com a ajuda de um amigo e da Wikipedia vou fazer uma tentativa. Que me perdoem os físicos (e meu amigo). Aliás, Márcio fica aqui meu muito obrigado! Coloquei seus comentários no final do texto.
Primeiramente vamos entender o que é esse tal de Bóson de Higgs. Que diabos é bóson e quem é o Sr. Higgs.
Você deve ter aprendido na escola em algum momento da sua vida que existem coisinhas ridículamente pequenas que compõem tudo que existe, chamadas átomos. Pois bem, o átomo como lhe foi explicado na escola, é a unidade básica de matéria que consiste em um núcleo denso cercado de uma nuvem de elétrons de carga negativa, que ficam "girando" em uma espécie de órbita (o melhor seria estado) em volta do núcleo, atraídos pela força eletromagnética. Isso é um modelo clássico “visual” um tanto errôneo no mundo atual, mas foi proposto por Ernest Rutherford em 1911 e usei aqui para que possamos entender melhor. Saiba que na mecânica quântica isso é bem mais complexo e bem diferente, corrigido posteriormente por Niels Bohr. Mas, vamos seguir adiante com nosso modelo visual clássico.
Um grupo desses átomos, quando associados uns com os outros podem formar moléculas. Uma molécula seria um grupo eletricamente neutro de dois ou mais átomos que compartilham seus elétrons. Uma analogia boba seria uma criança (núcleo) que se une com outra criança (outro núcleo) dividindo seus brinquedos (elétrons), formando assim uma molécula de bagunça (revira na tumba, Rutherford!). Essas moléculas, quando juntas com outras moléculas formam toda a matéria que conhecemos, com ligações químicas.
Voltando ao átomo, seu núcleo é composto por basicamente dois elementos: Os Prótons e os Nêutrons, e um átomo é classificado de acordo com o número de prótons e nêutrons em seu núcleo. O número de prótons determina o elemento químico (número atômico na tabela periódica) e o número de nêutrons determina o isótopo do elemento. Esses caras do núcleo também são divisíveis, contendo mais detalhes em sua formação. Um próton tem carga elétrica positiva com valor igual a 1, e é composto por quarks (o elétron tem carga negativa, e o nêtron é, olha só, neutro). Quarks são os tijolos (que analogia péssima, mas não consegui pensar em outra) que compõem a estrutura do próton. Um próton é composto por dois up-quarks e um down-quark que são mantidos unidos pela força nuclear forte, e dessa forma ele também é considerado um Hádron, ou seja, “composto de quarks”, mais especificamente um Bárion, ou seja, aquele que é composto de três quarks (chupa essa manga).
Enfim, a galera que viaja na maionese vai dando nomes pra essas coisas de acordo com a classificação que encontram.
Esse up ou down do quark acima é o tipo de “spin”, que seria algo como a tendência de continuar "girando" a uma taxa em particular (chamado na indecifrável wikipedia de “angular momentum”). “Usar momento angular é só um jeito que os humanos acharam para tentar fazer uma coisa impenetrável, até o momento, para a mente humana familiar” - Valeu Márcio! [1], e possuem valores de spin fracionados (1/2). Existem seis tipos de quarks: up, down, strange, charm, botton e top. E não, o quark do tipo charm não é uma jóia da Pandora, pelamor... Então existem 16 partículas fundamentais que constroem um átomo, sendo 12 partículas de matéria e 4 partículas portadoras de força (as quatro forças fundamentais, mas podendo ainda ter mais duas que relato em breve).
O bóson, segundo a wikipedia, tem essa explicação: “Bósons são partículas subatômicas que obedecem as estatísticas Bose-Einstein [3].” Se você clicar no link acima para saber o que seria uma estatística Bose-Einstein, vai se deparar com “Na mecânica estatística (?) a estatística Bose-Einstein determina a distribuição estatística de bósons indistinguivelmente idênticos (?) sobre um estado de energia em equilíbrio térmico (?)”. É de fazer qualquer um desejar tomar um copo de veneno.
Um bóson [2] seria um portador de força, que possuem spin inteiro (diferente do próton acima) e algumas outras características, como podendo ocupar o mesmo ponto no espaço ao mesmo tempo (como o fóton). Existem quatro forças fundamentais no Universo: o eletromagnetismo, a gravidade e as forças nucleares forte e fraca. Essas forças são na verdade a perturbação de campo (não confundir com o jogador Danilo do Corinthians, que também é uma perturbação em campo), e são medidas pela iteração dos bósons entre as partículas (no caso, os bósons chamados bósons gauge.
Um exemplo de bóson seria o fóton, ou a patícula de luz (que não tem massa). Porém nem toda forma de energia é sem massa [4], como por exemplo as forças dos bósons W e Z que possuem 100 vezes a massa do próton. Os bósons podem ser elementares, como os fótons, ou compostos, como os mesons e por aí vai.
No Modelo Padrão da física existem seis tipos de bósons (quatro devidamente provados e dois teóricos), e o Bóson de Higgs é um desses dois que não foi provado ainda (o gráviton também não deu as caras por enquanto). O Modelo Padrão é um modelo teórico desenvolvido ao longo de anos pelos físicos de todo o mundo que nos dá a estrutura básica do nosso entendimento das partículas fundamentais da natureza (aquelas 16 partículas que disse acima mais algumas outras teorias). Um dos ingredientes desse modelo padrão é um campo hipotético que explica porque as partículas tem massa (entre outras coisas). Esse campo hipotético, onipresente, é chamado Campo de Higgs, do físico britânico Peter Higgs (hoje com 82 anos), que publicou lá na década de 60 alguns trabalhos sobre essa teoria, e tenta explicar por que é que as partículas tem massa, pois quando analisadas separadamente, essas partículas não tem massa nenhuma (veja a observação número [4] abaixo).
Então existe algo que dá “materialidade” à matéria. Esse algo é chamado de Bóson de Higgs (uma força), que tem massa, ficando esta na casa dos 130 GeV (giga-eletrovolts), e por isso a necessidade do LHC existir, por possuir energia suficiente para tornar possível pesquisar essa faixa. E a maioria das partículas que interagem com o Bóson de Higgs ganha, portanto, massa (outras não, e ninguém sabe o por quê).
Ufa, depois dessa coisa toda, por que é que esse bóson é tão importante assim? Porque esse cara, se provado existente, o Modelo Padrão fica um pouco mais completo [5]. Se entendermos as leis da natureza, poderemos focar nossas teorias (que existem muitas além do Bóson de Higgs, como a Supersimetria, ou a Quebra da Simetria Dinâmica) em um só local que provou-se certo, esquecendo as outras. Focando os esforços e experimentos, podemos descobrir mais a fundo outras partículas ou forças e seu funcionamento (como a dona Gravidade, que ninguém consegue explicar). Em 1993 o Ministro de Ciências britânico William Waldegrave lançou um desafio aos físicos para explicarem em apenas uma página o que é o Bóson de Higgs e por que eles estão tão ansiosos em descobri-lo. Os vencedores do desafio podem ser conferidos aqui.
Com esse avanço na física provando a existência do Bóson de Higgs, quem sabe um dia poderemos entender melhor as partículas, e com isso tornar possível viagens intergaláticas, usando motores movidos a antimatéria. Aí só faltaria saudarmos uns aos outros com a frase “tenha uma vida longa e próspera”. [6]
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[1] O eletron é infinitesimal (não tem dimensão). Apesar do termo "spin", electron não gira. Isso é só uma forma de tentar usar um modelo clássico para satisfazer a necessidade humana de intuir coisas.
[2] A diferença entre um bóson e um férmion (a maioria da matéria, eu e você somos feitos de férmions), é que bosons são indistinguíveis um em relação um ao outro. Não existe nenhum atributo (como o spin, por exemplo, pois um mesmo fermion pode ter, por exemplo, spin +1/2 e -1/2) para diferenciar dois bósons.
Suponha que você tenha dois estados quânticos (A e B) e duas párticulas (1 e 2) que ocupam esses dois estados. Suponha que essas partículas podem ocupar qualquer estado, inclusive o mesmo estado ao mesmo tempo, você terá as seguintes possibilidades:
A(1, 1) B() - As duas partículas no estado A e nenhuma no B
A() B(2, 2) - As duas partículas no estado B e nenhuma no A
A(1) B(2) - Uma em cada
A(2) B(1) - Uma em cada
Imagine agora que 1 e 2 são indistinguíveis. Isso significa que:
A(1) B(2) = A(2) B(1) = A(X)B(X)
Então temos na verdade 3 estados:
A(1, 1) B()
A() B(2, 2)
A(X)B(X)
Note que se 1 e 2 são distinguíveis, você tem 50% de chance de encontrar as particular no mesmo estado (4 estados, 2 estados no qual as particulas estão no mesmo estado). Se 1 e 2 são indistinguíveis, voce tem ~67% de chance de encontrar as particulas no mesmo estado (3 estados, 2 no qual as partículas estão no mesmo estado).
Se você repetir essa brincadeira para mais partículas (3 já dá um trabalho razoável para listar as possibilidades), você vai descobrir que a probabilidade de encontrar as particulas no mesmo estado aumenta com o número de partículas . Luz por exemplo, tem tantos fótons, que a probabilidade é praticamente certa (100%). Esse princípio torna o laser possível mas você sair correndo e atravessar uma parede impossível (melhor dizer improvável). Você é feito de férmions que são distinguíveis um dos outros. A maioria das pessoas tem dificuldade em aceitar que "possível e impossível" é um conceito clássico. Qualquer evento é possível, mas pode ser provável ou improvável. Possível ou impossível são conceitos criados por seres humanos que não existem no mundo físico.
[3] Bose-Einstein, é só um nome. Porque um físico indiano chamado Bose descobriu a idéia (acidentalmente) e o Einstein ajudou a divulgá-la (ninguém escutou o cara até o Einstein apoiá-lo).
[4] Massa é uma forma de energia. Lembre-se que E=MC^2. Massa não é a mesma coisa que matéria. Por exemplo, massa aumenta com a velocidade. Próximo da velocidade da luz, um objeto teria massa quase infinita e não "engordaria", a quantidade de matéria continuaria a mesma. Massa é uma propriedade associada com o fenômeno de inércia (uma medida de quão díficil é mudar a velocidade de um objeto, i.e., acelerar, frear... da lei da inércia de Newton). Um fóton é tão material quanto um elétron. A diferença sendo que o fóton não sofre inércia. A idéia fundamental do Campo de Higgs é explicar porque o benedito do fóton não sofre inércia e o electron sofre.
[5] O modelo padrão fica um pouco mais completo com o Higgs, mas não é um modelo completo da natureza. Falta gravidade por exemplo e mesmo assim tem várias constantes no modelo padrão que foram obtidas puramente através de experimentos e que ninguém sabe calcular teoricamente.
[6] Nos dias de hoje é possível criar um motor movido a ant-matéria (graças ao Paul Dirac que descobriu a maledeta!). O único problema é que é muito caro. :) O wikipedia diz o seguinte:
"$250 million could produce 10 milligrams of positrons". É mais problema de engenharia do que de física. :)
Mais sobre o Bóson de Higgs:
http://www.scientificamerican.com/article.cfm?id=what-exactly-is-the-higgs&page=3
http://www.popsci.com/science/article/2010-11/lhc-researchers-glimpse-primordial-soup-universe-first-time
http://press.web.cern.ch/press/PressReleases/Releases2011/PR25.11E.html
4 comentários:
Caro Rodrigo,
Realmente o mundo subatômico se comporta de uma forma tão diferente em relação ao nosso mundinho clássico que é quase impossível fazer qualquer analogia séria. O spin, que você mencionou, não encontra nenhum correspondente em qualquer grandeza clássica e é definido a partir de propriedades inteiramente abstratas (relações de comutação). Por esse tipo de coisa é tão difícil escrever sobre um assunto como o bóson de Higgs sem acabar fazendo analogias um tanto grosseiras. Parabéns por ter deixado isso claro no texto!! E parabéns pela forma bem-humorada com que escreve sobre esse tipo de assunto - adorei! Vou ficar acompanhando o blog.
*Já escrevi sobre o mundo subatômico e também me senti induzido a usar analogias baratas, num texto entitulado "Sabe o planeta Netuno? Está a 4 bilhões de quilômetros e nós conhecemos a composição da sua atmosfera. Se você não acha isso maravilhoso, eu tenho pena de você.", no meu blog. Queira dar uma olhada aqui:
http://calebante.blogspot.com/2011/10/sabe-o-planeta-netuno-esta-4-bilhoes-de.html
E, novamente, parabéns pelo texto!
Abraço
Olá Calebe! Muito obrigado pela visita e pelos elogios. Vou visitar seu blog. Um abraço!
Oi Rodrigo,
Encontrei dois erros nos meus comentarios:
A(1, 1) B() - As duas partículas no estado A e nenhuma no B
A() B(2, 2) - As duas partículas no estado B e nenhuma no A
Deveria ser:
A(1, 2) B() - As duas partículas no estado A e nenhuma no B
A() B(1, 2) - As duas partículas no estado B e nenhuma no A
E no comentario final, um erro de digitacao:
ant-materia -> anti-materia.
Se eu soubesse que voce iria mesmo publicar, teria revisado o meu texto e nao teria chamado anti-materia de maledeta (risos).
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