quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Uva-passa


“Tudo passa. O tempo passa. Até a uva...” A frase infame é tão ruim quanto a fruta desidratada. Estávamos conversando esses dias no café enquanto tentava comer uma daquelas barrinhas de cereal sonho de papagaio de pobre. Na minha barrinha tinha adivinha o que? A maldita da sem-graça entrona da uva-passa. Olhei novamente a embalagem e dizia: Sabor Maçã. Maçã é igual a uva-passa, meu Deus? Conheço poucas, muito poucas pessoas que ousam dizer na minha cara que gostam de uva-passa. E todo fim de ano é aquela mesma coisa de ficar caçando as malditas no panetone pra arrancá-las sumariamente e não deixar que estraguem o bolo italiano. Comecei a comprar chocotone por causa delas! E ainda tem a noite de Natal em que as pessoas fazem arroz (salgado e quente, portanto) com essas coisas pretas que agora não quero mais mencionar o nome. Que mau gosto! Como pode alguém gostar disso? Seria o mesmo que alguém gostar de alface, mas pelo menos o alface não tem essa consistência de doce de saco de bode. Tudo bem que gosto é gosto, já até aceito a fanta uva (que quando fica sem gás se transforma em fanta-uva-passa?), mas uva-passa é demais.

Será que a uva-passa é algum experimento do governo, parte de alguma conspiração mundial, para tornar a humanidade mais dócil frente às amarguras da vida? Sério, quando você a come, às vezes despercebida dentro do seu açaí, dá uma depressão tão grande... Aí faz-se aquela careta de boi bumbá psicodélico, querendo arrumar um canto pra cuspir a porcaria mole grudando no seu pivô, criando uma sensação de inferioridade entre os demais. Você se sente traído, pois não tinha percebido que aquela merda estava incutida aí, sorrateira, no meio da sua granola, disfarçada de algo saudável. E muitas vezes tem que engoli-la para não fazer feio em local público. Isso é colocado no meio das coisas mesmo sem as pessoas gostarem. Parece aqueles cartazes de pessoas felizes dando uma estrela na praia. Já percebeu que tem um monte de anúncio de pessoas felizes dando uma estrela? Quando eu fico feliz nunca me imaginei dando uma estrela, mas sempre tem aquela propaganda de alguém que ganha na loteria e a primeira coisa (após o infame iuhú) é virar uma estrela no meio do escritório. Que coisa mais boba. Quem falou que isso é sinônimo de felicidade? Deve ser a mesma pessoa que disse que é bom enfiar uva passa guela abaixo em tudo quanto é alimento.

Não concordo em colocar essa porcaria no meio do cereal (nem no meio de nada, a não ser no meio do lixo). Primeiro: Uva é cereal? Segundo: Quem gosta dessa porcaria levanta a mão! Chupar uva já é um negócio estranho, você ali engolindo aquela ostra doce com aparência de catarro, jogando a casca fora, agora imagina isso seco ao sol. Tudo de ruim. Esse post é um manifesto contra a migração predatória das uvas-passas nos alimentos considerados bons, como panetone, granola, sorvete, pudim, pães, barra de cereal e arroz (que é o pior caso esse último, porque ela além de uva, de passa, num meio salgado, ainda está quente). Vocês mães, tias e avós façam uma caridade de não colocar mais esse negócio no arroz de Natal. Eu sei que foi chique um dia, que traz prosperidade, ou qualquer outra coisa que vocês inventem para nos convencer, mas a grande maioria não gosta desse treco preto grudento mole. Se você gosta, compre um saquinho a parte e coloque no meio do seu arroz, ora. Agora vou ter que comer uma caixa de barra de cereal de maçã (que não menciona ter uva-passa na caixa) com essa porcaria no meio, porque nem poder tirar não dá, já que está incutida no doce. Faça-me o favor... Uva-passa: Passo longe.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Duna

Dez mil anos após a grande guerra Butlerian Jihad que eliminou todos os computadores pensantes do Universo, que ocorreu há onze mil anos de nossa data, começa a história de Duna. Então, lá para o ano 21.000 a humanidade colonizou diversos planetas e um grande Império surgiu (mas não é aquele império que você conhece, porque Duna foi escrito em 1965, e, portanto, antes de Star Wars). Esse império, controlado então por um Imperador, mantém o poder distribuído em casas aristocráticas que respondem a ele, divididas nas Casa dos Atreides, Casa dos Harkonnens e Casa dos Corrinos. A estória de ficção científica de Duna é mais geopolítica do que tecnológica, e é aí que esse excepcional livro conta com alegorias para um possível futuro da humanidade, que viveria então num feudo.

Frank Herbert, o autor, disse quando vivo que se baseou em alegorias para recriar seu universo, onde teríamos a briga por um produto, que no caso do livro se chama Melange (ou especiaria), que podemos fazer um paralelo com o petróleo, em um planeta deserto, que podemos visualizar o Oriente Médio, e um povo rebelde chamado de Fremen, que podemos comparar com os árabes, talvez (pois o personagem principal do livro pode ser comparado a T.E. Lawrense e sua ligação com o povo árabe na revolta contra os Turcos Otomanos em 1916, rendendo até um filme, Lawrense da Arábia). Nesse complicado enredo, começa uma história rica em detalhes de como a humanidade evoluiu.

Como mencionei acima, existiu uma guerra, em que a humanidade venceu os computadores, que em dado momento no futuro tomaram consciência e se rebelaram contra nós. Após a eliminação dessas máquinas pensantes, instituiu-se uma ordem religiosa, e uma nova Bíblia, chamada de Bíblia Católica Laranja (O. C. Bible) que compilava assim vários pensamentos de várias religiões ali então resumidas. Num desses versículos-mandamento, existia um que dizia “Vós não deveis produzir uma máquina tal qual a mente humana.” [1], numa tradução livre. Por isso a partir daquele ponto evoluiu-se com tecnologia genética (e tecnologia não-pensante), para produzir seres humanos aptos a determinadas áreas, como por exemplo os Mentat, que eram pessoas com habilidades incríveis de cálculos, substituindo assim os computadores, que traçavam rotas para viagens espaciais. E várias ordens surgiram, como por exemplo as Bene Gesserit, que era uma irmandade de mulheres-bruxas com poderes mentais que procuravam há mil anos um messias, fazendo conexões genéticas com casamentos arranjados. Esse messias iria ter um poder mental enorme, podendo num ritual de passagem ingerir uma quantidade grande de veneno, remover esse veneno do seu corpo e assim se conectar com memórias ancestrais de todas as Bene Gesserit e ainda ter precognição. Dentro desses detalhes, Duna vai evoluindo e prendendo cada vez mais a atenção, fazendo com que você não encontre paralelo em nenhuma obra anterior a ela e influenciando um monte de filmes e livros a partir dela. O interesse do livro é uma geopolítica futurística que deixa um pouco de lado as explicações científicas, como vemos nos livros do Asimov por exemplo, puxando para questões mais filosóficas. Quem controlava esse melange, que seria o bem mais importante do universo, controlava então todo o universo por consequência. O melange, substância que só existe no planeta Arrakis (conhecido como Duna pelos seus desertos), era controlado pela Casa dos Harkonnen que lá estavam há tempos, determinado assim pelo imperador. O melange era produzido pelos excrementos de um verme de quatrocentos metros que vagava pelos desertos de Duna, temido por todos, fazendo com que a extração da especiaria fosse bem difícil e arriscada. Essa especiaria quando consumida dava alguns poderes especiais, e o mais importante deles era a pré-cognição, permitindo assim viagens espaciais distantes, o que movimentava toda uma economia no universo.

O feudo rival dos Harkonnens, chamado de Casa dos Atreides começava a ganhar poder e influência, comandada pelo Duque Leto. O imperador então troca de poderes e manda a Casa dos Atreides dominar Duna e a retirada da Casa dos Harkonnens de lá, que já tinham ganhado um bom poder com a exploração, para balancear um pouco os poderes no universo entre as casas aristocráticas. Só que as coisas não foram tão simples assim e uma armadilha esperava os Atreides em Duna. A companheira de Duque Leto, Jéssica, que é uma Bene Gesserit, treina seu filho Paul (filho do Duque) com todo o treinamento proibido dessa irmandade de mulheres, e aí a coisa fica interessante. Paul tem algumas visões do futuro, e ligado ao fato que Jéssica deveria ter tido uma menina e essa menina poderia ter gerado o esperado messias segundo as Bene Gesserit, Paul começa a dar indícios de ser ele o próprio messias. No planeta Duna, o povo que lá vive, os Fremen, espera a chegada de um messias, que os libertaria da dominação das casas aristocráticas e transformaria Duna em um planeta com água abundante, já que lá a água é um artigo raríssimo. Inclusive quando uma pessoa da tribo dos Fremen (os nativos de Duna) morre a água do seu corpo é retirada e filtrada, e devolvida para a tribo para consumo. As pessoas andam em trajes que não deixam nenhuma umidade sair do corpo (os stillsuits), filtrando suor, urina (e fezes), retornando num processo límpido para que a pessoa beba (isso é nojento, eu sei, mas o processo é muito bom, parecido com a Sabesp que filtra a merda da represa Billings, só que tudo dentro de uma roupa).

Os detalhes dessa trama são bem complexos e tornam Duna um clássico. Frank Herbert escreveu seis livros de Duna antes de morrer, e o filho dele continuou o trabalho com mais treze livros. A história fecha completamente no primeiro livro, mas agora quero ler os demais porque me empolguei muito com a obra.

Sem querer deixar spoilers aqui, só posso dizer que Duna é leitura obrigatória para quem gosta de ficção científica, sendo uma alegoria do mundo atual e no que poderemos nos tornar.

[1] “Thou shalt not make a machine in the likeness of a human mind.”

Links de referência (contém spoilers):
Jovem Nerd: http://jovemnerd.ig.com.br/nerdcast/nerdcast-227-as-dunas-de-duna/
Wiki: http://en.wikipedia.org/wiki/Dune_universe

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Nobel de Física 2010

Hoje o mundo conheceu os vencedores do Nobel de Física, pela descoberta do material mais resistente do mundo: O Grafeno. Andre Geim e Kostya Novoselov ganharam um milhão e meio de dólares (ou 10 milhões de coroas suecas) pelo Nobel e seus estudos podem mudar mais uma vez o mundo dos componentes eletrônicos, que agora podem ter grafeno em sua fabricação. Os designers de chips de computadores estão enfrentando alguns problemas atualmente, pois um chip é feito com centenas de milhões de transístores e o tamanho desses transístores continua a diminuir, junto com o número de átomos disponíveis para um único transístor. Até um certo ponto em que não teremos átomos suficientes para conduzir a eletricidade necessária para fazê-lo funcionar. Isso aparentemente foi resolvido com o uso do Grafeno.

O Grafeno consiste em átomos de carbono em forma hexagonal (como os favos de mel) arranjados de forma bi-dimensional em uma folha com um átomo de espessura. Muitas vezes mais resistente que o aço, ele precisaria de um elefante sobre a ponta de um lápis para ser perfurado. Esse incrível material pode ter muitas aplicações, como detecção de moléculas de gás, transístores mais rápidos, circuitos integrados, ultracapacitores e até um bactericida, veja só. A Academia de Ciências da China provou que folhas de óxido de grafeno são muito efetivas contra bactérias, como a E.Coli, causadora da meningite, infecção urinária e outras doenças.

A notícia do Nobel rodou o mundo todo e vários sites de notícias apresentam matérias completas sobre o assunto, por isso falar sobre a notícia em si não foi o que despertou minha motivação em escrever esse post, mas devido ao curioso fato de Andre Geim, um russo naturalizado holandês ter ganhado o prêmio Ig Nobel dez anos atrás.

Assim como o Darwin Awards premia as mortes mais estúpidas (em que nosso padre Adelir de Carli, dos balões, ganhou em 2008), o prêmio Ig Nobel é uma brincadeira que premia as pesquisas mais insignificantes produzidas pela infinita imaginação humana. Em 2000 Andre Geim ganhou o Ig Nobel por usar campos magnéticos para fazer levitar um sapo!

A inteligência de Geim é indiscutível, e sua criatividade também parece que alcança altos níveis. Não temos uma aplicação prática para sapos flutuando, mas o grafeno pode mudar o rumo da indústria eletrônica e consequentemente nosso futuro. No modelo de Renzulli o conceito de indivíduo superdotado é multidimensional, fugindo um pouco do puro gênio acadêmico, resultado de três fatores (no mínimo): inteligência acima da média, criatividade e motivação. Acredito que Andre Gaim tenha os três, pois além de inteligência e criatividade, tem que ter muita motivação para continuar um estudo sério após um prêmio Ig Nobel.