segunda-feira, 23 de abril de 2012

Cortando o cabelo

Esse final de semana fui cortar o cabelo e vi o quanto mudou esse serviço desde quando era criança. Antigamente, cortava o cabelo na barbearia do Seu José, que era um senhor que não falava muito. Na verdade eu sempre achei que ele era mudo, pois só acenava com a cabeça e sorria. Inventei também o nome Seu José, pois seu José nunca me disse seu nome. Como era criança, não tinha muita conversa mesmo para ser dita, pois o que diria ao Seu José além de bom dia? Bem, entendia que não tinha muita conversa mesmo. Entretanto uma coisa que gostava muito da barbearia do dele era a velocidade do serviço. Em apenas 10 minutos meu cabelo estava cortado. Era como se eu fosse até a banca de jornal comprar o novo número do gibi do Batman e no meio do caminho cortava o cabelo. Simples, rápido e barato. Não precisava marcar. Era chegar e cortar (pois era rápido para todos).

Hoje em dia isso mudou e cortar cabelo tornou-se um evento. O Seu José morreu (acredito eu, pois já tinha uns 90 anos quando eu tinha 10 e o homem mais velho do mundo tem 115 anos e não é o Seu José). Pra começar, não temos mais barbearias em São Paulo. Agora só temos salões chiques ou salões que querem ser chiques mas não são. E os dois tipos que existem são ruins pelos motivos abaixo:

Salão de pobre não chique:

  1. Você marca com a Joseclaynette por telefone e quando chega não tem nada marcado. A Joseclaynette tinha sido despedida aquele dia e esqueceu de marcar seu corte. Foi um barraco a despedida dela, menino! Falou um monte para o patrão e ameaçou matar todo mundo com uma tesoura enferrujada, acredita?
  2. É uma sujeira dos infernos o salão. Não tem baratas porque elas foram embora de tanta sujeira. São baratas sim, mas ainda sobra um pouco de dignidade.
  3. Se o sofá que você senta na espera tiver menos que quatrocentos furos ou rasgos você deu sorte. Fora o fato que você fica entalado no sofá quebrado e precisa de um abdome do Michael Phelps para sair de lá.
  4. Tem um monte de gente gritando e gritando falando sobre a vida dos outros. Muitas vezes tem crianças correndo, ranhentas, berrando (aprendem desde cedo) pelo salão
  5. Tem sempre um gato magro te roçando ou um cachorro pulguento desanimado num canto.
  6. O shapoo que usam é uma espécie de Dolly dos shampoos. O cheiro é inacreditavelmente irritante.
  7. O cabeleireiro faz força para ser bicha, e fica fazendo caras e bocas para uma outra funcionária, pensando que você não está notando, sobre a manicure ao lado fazendo a maior caca na unha da patroa
  8. Não aceita cartão, e se aceita ninguém sabe mexer na “maquininha”
  9. A conversa é sobre big brother, novela, futebol ou sobre a Brigitteliete que saiu do salão e foi ganhar bem mais como no jogo do bicho da banca da esquina. Comprou até um carro parcelado em 60 vezes e está grávida de novo.
  10. A espera é relativamente rápida, mas é tortuosa devido ao sofá, ao cheiro do Dolly Shampoo, a gritaria dos infernos e as revistas. A revista mais nova tinha na capa Tancredo Neves e a Wilza Carla magra.

Salão chique:

  1. Desnecessariamente caro.
  2. Você espera no mínimo uma hora e meia antes de ser atendido. Com cafézinho, água mineral com gás, num sofá limpo, ok. Mas espera.
  3. Para cada cabeleireiro(a) existem dois auxiliares que acabam atrapalhando mais que ajudando, pois normalmente o cabeleireiro está treinando um deles (na sua vez).
  4. Nunca imaginei que lavar um cabelo levasse tanto tempo. Após 4 shapoos e 3 condicionadores, ainda tem a massagem (que odeio) na cabeça (!) e dura uma meia hora (parece que leva uma vida). Inacreditável.
  5. Te enchem a orelha de sabão, você fica temporariamente surdo, porém a menina quer conversar. Após o quarto “ã?” que você fala (pois está surdo), ela desiste.
  6. Demora muito, muito, muito tempo para cortar a porcaria do cabelo. Claro, tem que justificar o primeiro ponto.
  7. A conversa é sobre big brother, novela, futebol ou sobre a Paty que voltou de Paris e trouxe um lenço bonito para a Fulanette e não trouxe a encomenda que o cabeleireiro pediu. Ele está sentido demais com isso. Não gostou de não terem trazido o amplificador valvulado que ele pediu.
  8. Tem sempre uma mulher horrível do seu lado arrumando a cabeleira (com um laquê) e achando que está abafando, mexendo no iPhone 4S branco que ela acabou de comprar.
  9. Todos são muito ricos, tem iates, casa em Malibu, oito carros na garagem e viajaram o mundo inteiro. Pelo menos é o que se ouve.
  10. A falsidade é quase como tomar um café. Ninguém se incomoda em descer o sarrafo nas amigas mais íntimas ou esculachar o novo namorado da Silvânia.

Depois desses pontos desanimadores, torço ainda por encontrar uma barbearia. Vazia, com um senhor lendo o Jornal da Tarde e o barbeiro fazendo rapidamente seu serviço e cobrando o preço justo por ele. Ah, que saudade do Seu José...


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