Esse final de semana fui cortar o cabelo e vi o quanto mudou esse serviço desde quando era criança. Antigamente, cortava o cabelo na barbearia do Seu José, que era um senhor que não falava muito. Na verdade eu sempre achei que ele era mudo, pois só acenava com a cabeça e sorria. Inventei também o nome Seu José, pois seu José nunca me disse seu nome. Como era criança, não tinha muita conversa mesmo para ser dita, pois o que diria ao Seu José além de bom dia? Bem, entendia que não tinha muita conversa mesmo. Entretanto uma coisa que gostava muito da barbearia do dele era a velocidade do serviço. Em apenas 10 minutos meu cabelo estava cortado. Era como se eu fosse até a banca de jornal comprar o novo número do gibi do Batman e no meio do caminho cortava o cabelo. Simples, rápido e barato. Não precisava marcar. Era chegar e cortar (pois era rápido para todos).
Hoje em dia isso mudou e cortar cabelo tornou-se um evento. O Seu José morreu (acredito eu, pois já tinha uns 90 anos quando eu tinha 10 e o homem mais velho do mundo tem 115 anos e não é o Seu José). Pra começar, não temos mais barbearias em São Paulo. Agora só temos salões chiques ou salões que querem ser chiques mas não são. E os dois tipos que existem são ruins pelos motivos abaixo:
Salão de pobre não chique:
- Você marca com a Joseclaynette por telefone e quando chega não tem nada marcado. A Joseclaynette tinha sido despedida aquele dia e esqueceu de marcar seu corte. Foi um barraco a despedida dela, menino! Falou um monte para o patrão e ameaçou matar todo mundo com uma tesoura enferrujada, acredita?
- É uma sujeira dos infernos o salão. Não tem baratas porque elas foram embora de tanta sujeira. São baratas sim, mas ainda sobra um pouco de dignidade.
- Se o sofá que você senta na espera tiver menos que quatrocentos furos ou rasgos você deu sorte. Fora o fato que você fica entalado no sofá quebrado e precisa de um abdome do Michael Phelps para sair de lá.
- Tem um monte de gente gritando e
gritandofalando sobre a vida dos outros. Muitas vezes tem crianças correndo, ranhentas, berrando (aprendem desde cedo) pelo salão - Tem sempre um gato magro te roçando ou um cachorro pulguento desanimado num canto.
- O shapoo que usam é uma espécie de Dolly dos shampoos. O cheiro é inacreditavelmente irritante.
- O cabeleireiro faz força para ser bicha, e fica fazendo caras e bocas para uma outra funcionária, pensando que você não está notando, sobre a manicure ao lado fazendo a maior caca na unha da patroa
- Não aceita cartão, e se aceita ninguém sabe mexer na “maquininha”
- A conversa é sobre big brother, novela, futebol ou sobre a Brigitteliete que saiu do salão e foi ganhar bem mais como no jogo do bicho da banca da esquina. Comprou até um carro parcelado em 60 vezes e está grávida de novo.
- A espera é relativamente rápida, mas é tortuosa devido ao sofá, ao cheiro do Dolly Shampoo, a gritaria dos infernos e as revistas. A revista mais nova tinha na capa Tancredo Neves e a Wilza Carla magra.
Salão chique:
- Desnecessariamente caro.
- Você espera no mínimo uma hora e meia antes de ser atendido. Com cafézinho, água mineral com gás, num sofá limpo, ok. Mas espera.
- Para cada cabeleireiro(a) existem dois auxiliares que acabam atrapalhando mais que ajudando, pois normalmente o cabeleireiro está treinando um deles (na sua vez).
- Nunca imaginei que lavar um cabelo levasse tanto tempo. Após 4 shapoos e 3 condicionadores, ainda tem a massagem (que odeio) na cabeça (!) e dura uma meia hora (parece que leva uma vida). Inacreditável.
- Te enchem a orelha de sabão, você fica temporariamente surdo, porém a menina quer conversar. Após o quarto “ã?” que você fala (pois está surdo), ela desiste.
- Demora muito, muito, muito tempo para cortar a porcaria do cabelo. Claro, tem que justificar o primeiro ponto.
- A conversa é sobre big brother, novela, futebol ou sobre a Paty que voltou de Paris e trouxe um lenço bonito para a Fulanette e não trouxe a encomenda que o cabeleireiro pediu. Ele está sentido demais com isso. Não gostou de não terem trazido o amplificador valvulado que ele pediu.
- Tem sempre uma mulher horrível do seu lado arrumando a cabeleira (com um laquê) e achando que está abafando, mexendo no iPhone 4S branco que ela acabou de comprar.
- Todos são muito ricos, tem iates, casa em Malibu, oito carros na garagem e viajaram o mundo inteiro. Pelo menos é o que se ouve.
- A falsidade é quase como tomar um café. Ninguém se incomoda em descer o sarrafo nas amigas mais íntimas ou esculachar o novo namorado da Silvânia.
Depois desses pontos desanimadores, torço ainda por encontrar uma barbearia. Vazia, com um senhor lendo o Jornal da Tarde e o barbeiro fazendo rapidamente seu serviço e cobrando o preço justo por ele. Ah, que saudade do Seu José...