Alguns minutos em silêncio, Antônio finalmente falou: “Bem, Pedro. Realmente estou sem palavras. Não sei o que te dizer ainda.”
“É, eu sei. Cara, não estou conseguindo visualizar aquela vadia na minha frente. Já tinha reparado no churrasco da empresa que ela deu um sorrisinho para o mané, mas preferi fingir que não vi nada. Agora ela me liga dizendo que dormiu com o cara! Porra, se ela me fala pessoalmente esmurraria a desgraçada até não sobrar nada. Cadela do inferno!”
“É por isso talvez que ela resolveu ligar do Hotel. Já sabia do seu temperamento. Mas, sei lá. Tenho um pensamento diferente do seu e qualquer coisa que te disser você não vai concordar ou vai te deixar mais nervoso ainda. Acho que nem vale a pena dizer nada. Vamos só deixar a cabeça esfriar um pouco e aí pensarmos no que fazer.”
“Se você resolver me falar daquela merda de religião de novo eu boto você pra correr daqui. Aliás, o que teu Deus acha disso tudo? Provavelmente Jesus disse pra perdoar as vagabundas e continuar o casamento cheio de alegria, né?”
Um sorriso brotou na cara de Antônio, que ainda olhava cabisbaixo seus sapatos, com olhos parados, pensando em um monte de coisas que não conseguia exprimir da forma que gostaria. Levantou os olhos um pouco, ainda olhando o nada, e disse:
“Na verdade Jesus disse que nesse caso a separação é de certa forma permitida.”
“Tá brincando! Jesus disse isso?” - Pedro exclamou, jogando seu corpo para trás na cadeira.
“É, ele disse que qualquer um que se separar de sua mulher e casar com outra comete pecado, exceto em caso de adultério.”
“Tipo, então adultério é sério? Ele deixa quieto isso se a vaca da mulher der pra outro?”
“É, pois Jesus sabe que o coração do homem é duro, e para perdoar um ato dessa magnitude é muito difícil. Eu particularmente acho que foi permitido dessa forma porque se o homem continuasse casado para agradar a Deus somente, não cometendo o pecado da separação, o casamento não seria feliz nem agradável, mas um fardo pesado que o marido e a esposa carregariam e o marido jogaria na cara de sua esposa esse fato em todas as possibilidades que tivesse”
“Nossa, nunca imaginei que Jesus diria isso. Ele é tão deixa disso, dá a outra face e tal que pra mim Ele diria para perdoar a libertina, filha de uma puta. Nossa não tô querendo lembrar daquela desgraçada. Já me subiu o sangue de novo...”
“Fico pensando aqui se eu perdoaria minha esposa nesse caso também. Sendo cristão, sabendo do perdão de Deus... Sei lá... Imagine um ser supremo que criou tudo que existe. Sei que você não acredita nisso, mas imagine o que acredito...”
“É, realmente não acredito num ser barbudo sentado num trono, sorridente, brincando de matar formigas.”
“Nem eu acredito num ser barbudo sentado num trono. Já deixei de acreditar em papai Noel quando tinha quatro anos. Mas meu pensamento é mais ou menos esse: Imagine um Ser supremo, que no seu caso pode ser aquela sua fórmula matemática que criou o tudo, ou a coincidência tresloucada, não importa. No meu caso é um Ser supremo com consciência. Criou o homem e nos deu a moral. O cidadão resolve tocar a vida de sua maneira. Uns se dão bem, outros se dão mal, mas no final da vida, no leito de morte, passa aquele filme na cabeça. O filme revela que você não vai ter mais vida. Vai morrer e pronto, acabou. Ser lançado no rio de fogo. Não vai ter a chance de levar sua consciência para outra dimensão e continuar existindo. Já era. Game over. Bate aquele desespero básico e a pessoa resolve pedir a salvação a Deus. Se arrepende de todos os seus pecados, sejam eles quais forem. Matou, roubou, estuprou, degolou, etc. Não importa. Mas se arrepende profundamente, e pede perdão. Deus vai lá e perdoa o cara...”
“Ah, me desculpe. Aí é complicado também. Que justiça é essa então? Um cara que estuprou uma criancinha de 5 anos tem perdão? Ah, pára com isso. Tem que arder nos mais profundos mármores do inferno, se é que existe isso...”
“Pois é, mas no Deus que eu acredito Ele perdoa. Sabe por quê? Porque o preço do pecado é a morte. Se você pecou, e não existe pecadinho ou pecadão, o preço é a morte. Deus te perdoa porque o filho Dele morreu, inocente, para que você não morra. Isso é muito difícil de entender, mas quando você acredita, as coisas começam a fazer sentido. Se um Ser dessa magnitude Te perdoa, porque você, cheio de defeitos e coisas erradas, não poderia perdoar alguém também?”
“Porque aquela vaca velha deveria estar morta, com a boca cheia de formiga agora. Como você pode me dizer para perdoar aquela maldita prostituta?”
“Calma. Não disse que você deve perdoar. Nem sei se eu perdoaria minha esposa se isso acontecesse. Só estou dizendo que me passou esse pensamento pela cabeça. E achei interessante dividi-lo com você. Realmente não sei se perdoaria, mas sei que Deus me perdoaria se eu O traísse. E Ele é Deus e eu sou nada.”
“Aliás, já começa a confusão aí, Antônio. Deus, Jesus, Espírito sei lá o que... E ainda é tudo um só. Como alguém entende um treco desses?”
“Hehehehe... É difícil mesmo. Mas um escritor chamado Bene Him escreveu uma vez algo que fez um bom sentido pra mim. Ele disse: ‘Imagine o sol. O sol produz calor e luz. Agora imagine que o calor é o Espírito Santo, a luz é Jesus, mas tudo isso é o Sol, que é Deus’. O calor você sente, a luz você vê e o Sol você sabe que existe, e está lá. Três em um só. Para mim esse exemplo simplista foi bem elucidativo.”
“É... agora fez um pouco mais de sentido. Mas sei lá... Não posso acreditar nessa história. Não é possível isso acontecer. Não tenho como acreditar. É muito irracional.”
“Realmente não sei o que te dizer. Para mim é uma questão resolvida. Eu acredito. Não só pela fé, mas para mim faz todo o sentido do mundo. Se Ele me criou, deveria Se revelar. Ele se revelou, a Bíblia é um exemplo disso, mas não temos como provar nada. Por isso a história faz sentido do jeito que é. Iremos para Deus por amor e fé, e não por medo e coação de sua revelação pública indubitável. Tem muitas coisas que não entendo, aliás ninguém entende cem por cento. Mas o básico já entendi. Isso me basta.”
“Olha, nem sei mais se estou com tanta raiva assim. Amanhã vou ver o que faço. Agora quero ir embora, tomar um banho e esfriar a cabeça. Pelo menos jogar conversa fora me deu uma acalmada. Como sempre você foi bem sincero e ponderado. Valeu por me ouvir.”
“Sempre que precisar pode contar comigo. Também tenho que ir. Amanhã é dia útil. Um abração e me liga amanhã.”
“Pode deixar. Abraço, cara. Até amanhã”