sábado, 17 de dezembro de 2011

Finais Felizes são Perigosos

Quando assisto filmes em que nos primeiros dez minutos percebo que tudo vai acabar bem, acabo me desmotivando em continuar assistindo. Não porque não goste de finais felizes, mas porque não acredito neles. Também não sou amargurado, mas sim tendencioso a não achar que tudo vai sempre bem, ou que nunca temos (ou deveríamos ter) contratempos. De uns tempos para cá comecei uma auto-análise sobre o que significa termos problemas para resolver, e quando nem sempre o planejado acontece como gostaríamos. Isso tudo envolve a fecilidade, uma utopia perseguida por todo ser humano. A felicidade é um estado momentâneo, normalmente curto e passageiro, e a maior parte da vida é composta de tédio, ou rotina. Por isso talvez a felicidade, ou o estado de estar feliz é tão importante e tão almejado. Seria como o orgasmo, que dura pouco mas é o mais desejado pelos casais. Se a felicidade fosse abundante, perderia sua propriedade de rara e perseguida, e seríamos diferentes, buscando o tédio e a rotina. 

Os filmes que terminam com “e viveram felizes para sempre” me dão uma certa angústia de perceber quanta ilusão foi incutida em quem consumiu aquilo sem fazer uma análise mais profunda. Hoje, após um grande tempo de reclamações da vida, percebo aos poucos que essa mesma vida é composta de todo tipo de sentimento, e saber vivê-los em seu momento certo parece ser o segredo de ser feliz. Perceba que ser feliz não é ter felicidade o tempo todo. Não é chegar “no fim” e perceber que tudo valeu a pena. Na verdade, que fim é esse, se não sabemos quando iremos morrer? Muitos casais se frustram e se separam porque tinham na cabeça o “e viveram felizes para sempre”, mas a vida real é bem diferente disso, e todos os dias temos momentos diferenciados. Quem busca a felicidade normalmente não a encontra, e se decepciona ainda mais. Principalmente as pessoas que buscam a felicidade nas coisas, na posse, inclusive posse de outras pessoas. Essas são as mais infelizes, pois cada vez amargurando-se mais, vão compulsoriamente adquirindo e se esquecendo de usufruir o que tem. 

Não sei se existe uma fórmula mágica de felicidade, como todo livro de auto-ajuda pretende propor, pois para mim a felicidade é algo muito particular, e o que é bom para um pode ser terror para outro. Claro que pode existir uma base humana comum de entendimento do que é ser feliz, como uma esposa ou marido que amamos, ter filhos, caminhar na praia, etc, mas a sua cabeça é a grande produtora da felicidade, cientificamente falando. A irritabilidade vem quando algo não se adequa ao que pensamos ser a fórmula da felicidade, mas encarar aquilo que nos irrita como mais uma emoção, e saber que é para o bem que aquilo está lá, pois de alguma forma valoriza o estado feliz que tivemos ou teremos.

Voltando aos filmes ou livros com finais felizes, percebo não gostar dos filmes em que tudo dá certo. Para mim é necessário que as coisas não sejam tão planejadas assim. Claro que pode calhar de dar tudo certo, mas não necessariamente isso tem que ocorrer para que eu goste da história. A minha necessidade é ver como cada personagem lida com a situação, qual a lição que se aprende com aquilo, e se posso tirar alguma coisa do roteiro. Filmes de romance e livros infanto-juvenis são para mim um elemento não só chato como perigoso, que impõe um padrão “certo” nas coisas, e frusta quem acredita naquilo. 

O povo brasileiro é sempre apontado como um povo feliz, apesar das diversidades do dia a dia. Observe agora nossa cultura, folclore e histórias infantis, que são totalmente avessas a finais felizes. Exemplo: As cantigas infantis sempre acabam em desgraça. É o gato que atirei o pau e o bicho berrou, é o soldado de papél que pegou fogo no quartel, ou a dona aranha que tomou um capote na chuva. É sempre desgraça. O boi da cara preta que vem acabar com a raça de quem tem medo de careta, ou o anel de vidro que se quebra na cirandinha, ou até mesmo o cravo que brigou com a dona rosa. É a menina que viu um cara na rua de terno branco, chapéu de lado, imaginou ele como seu namorado e o camarada entra e dá uma cusparada no chão. Perdeu, playboy. Pelo menos na minha época de infância não salvava uma cantiga que fosse. Era só desgraceira. O folclore nosso também é repleto de coisas ruins, como saci pererê, mula-sem-cabeça, currupira, e uma série de elementos assustadores. Tem até a Cuca, e até hoje tenho medo daquele jacaré de peruca loira. Agora vamos analisar os países desenvolvidos, que mostram as cantigas felizes, a bela adormecida que encontra o príncipe, a branca de neve que ressussita, o bambi, o coelhinho enfim... Tudo dá certo por lá, mas o povo é infeliz e consome tudo que vê pela frente para buscar essa felicidade nas coisas. Índice de suicídio alto, atiradores nas escolas, serial killers, e uma série de perturbados que talvez acharam que a vida era igual aos filmes que assistiram quando crianças. 

A coisa aqui é diferente de lá, e aprendemos desde cedo que contar coisas ruins às crianças não as tornam infelizes, mas pelo contrário, geram um sentimento de querer ser diferente e buscar a lição de não gritar “é o lobo” se não for o lobo. Por isso que para mim é preciso uma alta dose de complicações e nem sempre finais felizes, para darmos o valor à algumas das outras coisas que passaram desapercebidas na vida. Assistir, por exemplo, “Amores Brutos”, do diretor Alejandro González Iñárritu (com história de Guillermo Arriaga) é um bom exemplo que o filme não é sobre gostar do sofrimento, mas olhar para àquilo e entender a expectativa de cada personagem. Um filme lindíssimo quando se vê por essa ótica. Mas é um porre para quem busca a Cinderela. Óbvio que me divirto com filmes de romance em alguns casos, ou uma boa comédia, mas minhas preferências não são essas. Acredito que a felicidade vem me visitar com mais frequência quando não percebo sua chegada.

4 comentários:

Garcia Filho disse...

Legal que você deixou de frescura!!!

Cristiano Silva disse...

Melhor ser "bem-aventurado" do que feliz (e por isso que teimo muito com o uso desta palavra em Mateus 5!)

Calebe disse...

Cara, que legal!
Uma defesa bem sóbria dos finais mais realistas.
Ótimo texto! :-D

Calebe disse...

Resolvi escrever sobre o assunto também, depois de assistir Slumdog Millionaire: http://calebante.blogspot.com/2012/01/porque-nao-gosto-de-finais-felizes.html