quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Ói, ói o trem...

Na Bienal deste ano tive a oportunidade de participar do debate sobre roteiros de cinema, com a participação de Guillermo Arriaga, presença que mais me interessou. Guillermo é roteirista dos filmes de Alejandro González Iñárritu, com por exemplo Amores Brutos, 21 Gramas e Babel. Um ponto alto do debate/palestra foi sobre a relação arte e artista, onde Guillermo disse que não existe evolução deste. O artista quando faz sua obra, não sabe se é sua melhor obra, se é sua obra prima, se é seu Best-Seller.

Quando uma obra é aclamada pelo público, é normal de se esperar que os próximos trabalhos desse artista sejam do mesmo nível, ou pelo menos da mesma profundidade revolucionária que de sua obra de mais sucesso. Mas isso não é o que normalmente acontece. Um artista pode lançar uma bela peça de arte e nunca mais fazer mais nada que preste. A arte é assim. Ela se manifesta pelo artista em determinado momento, normalmente em sua estréia ou auge e depois o abandona. Muitos escritores temem por não conseguir seguir o caminho do sucesso em seu próximo livro, pressionados pelas editoras. Autores de livros também são considerados artistas para mim quando revolucionam a literatura, com vendas exorbitantes e imprevistas. Assim também considero os filmes. No caso de Dan Brown e seu Código DaVinci, seu livro posterior, Ponto de Impacto, é uma grande bobagem e não chegou nem perto das vendas do anterior, o qual fiz questão de não ler, porém li os demais e fico com Anjos e Demônios. Acredito também que J.K.Rowling nunca iria imaginar que a história batida de bruxinhos bonitinhos iria revolucionar esse tema e vender o absurdo que vendeu. É certo também que alguns artistas fazem suas obras de arte, morrem na miséria e anos depois suas obras são descobertas pela crítica e acabam fazendo um enorme sucesso, como por exemplo O Senhor dos Anéis, que fez sucesso praticamente cinquenta anos mais tarde que sua publicação original e os quadros de Van Gogh.

Isso me faz pensar nos motivos dessas "descobertas" maravilhosas dessas obras. Será a arte um trem que passa e quem pega é levado junto com seu caminho de sucesso? Será que esse trem escolhe os passageiros e eles nem mesmo sabem os reais motivos desse trem, que pode ser fora de época, vindo algumas vezes de um tempo futuro, motivo dos quais algumas obras só fariam sucesso anos mais tarde, quando esse trem chegasse na estação certa?

Alguns artistas são regulares ao lançarem suas músicas, e parecem que sempre tem seus tickets das passagens de sucesso do trem. A lista é grande e me recordo de poucos em áreas diversas, como o próprio DaVinci citado acima, Os Beatles, Alan Moore, Niemeyer, entre outros. Esses conseguem manter uma certa regularidade em seus trabalhos, embora exista um que é o mais famoso, como a Monalisa, St. Peppers, Watchmen e a idealização de Brasília. A receita do sucesso, é claro, não existe e as tentativas de escrever sua fórmula vem desde que o mundo é mundo, nos Alquimistas procurando a Pedra Filosofal da imortalidade, ou a descoberta do ouro pela mudança no chumbo, até as rádios inglesas que fizeram um programa de computador para barrarem músicas que não seriam consideradas “sucessos”, e isso foi por água abaixo com os Strokes, que pararam na peneira do programa de computador mas cairam no gosto do público e venderam horrores. Já faço logo um paralelo com alguns posts anteriores, como a música italiana Passerà que diz “As canções não se escrevem, mas nascem por si. São coisas que acontecem cada dia ao nosso redor, bastando colhê-las” e também a imprevisibilidade do sucesso no post O futuro a Deus pertence. São imprevisíveis também os caminhos da arte.

Arriaga então falou sobre seu grande roteiro, Amores Brutos, mostrando que o início da trama, sobre o acidente e sobre o cachorro que foge e vai parar na rinha de cães, foi parte de sua história quando menino. Seu cão Cofi se envolveu realmente em uma rinha e ganhou do cachorro adversário. Isso já foi traçado a ele quando menino e o levou a escrever esse belo roteiro desse filme que é um dos meus preferidos. Apesar de seus roteiros tristes, Arriaga se mostrou de bem com a vida e disse escrever assim baseado em histórias pessoais e histórias que observa nas pessoas em que convive ou ouve a respeito. Espero que ele não perca o próximo trem do sucesso e escreva mais um roteiro bom, dando continuidade ao seu bom trabalho, mas lá no fundo sei que isso é tão incerto quanto comprar e vender ações. Tão incerto quanto a arte.

2 comentários:

Garcia Filho disse...

Outro escritor que só se deu bem postmortem foi o Kafka.
Além disso, autores como Augusto dos Anjos e Manuel Antônio de Almeida só viveram para escrever uma obra.

Cristiano Silva disse...

Às vezes, pode ser que a obra só vai ser reconhecida mesmo por uma geração posterior, livre dos conceitos e julgamentos que avaliaram a obra na época em que foi feita... Assim, esta geração posterior consegue admirá-la como ela merece... talvez seja isso. :-)